Em dezembro passado, levamos as crianças na viagem que fizemos de carro à Bahia. Pedro, apesar de ser filhote de Leone, é o bom-humor em forma de gente. Entre sorrisos e disposições contagiantes, o nanico foi responsável por importantes adições ao adagiário e lendário familiar. Num exemplo, não houve banheiro de posto de gasolina que parássemos sem que ele, ao sair, não explicasse porque tinha usado a privada, e não o urinol dos adultos: “Eu sou baixinho!”, dizia sorrindo. Eu, sempre e em seguida, corrigia: “Você não é baixinho; você tem dez anos”. E ele ria. No posto seguinte, lá vinha ele da privada, puxando o zíper para cima, e explicando: “Eu sou baixinho”. E eu repetia a correção, talvez apenas para fazer minha parte para que ele sempre possa se sentir enorme, como realmente é.
Em dezembro próximo, fará três anos (três anos!) que eu batalho essa porra a que chamei de Os Viralata. Minha molecagem latente e a incorrigível irresponsabilidade que animam meus dias me fizeram criar um site a partir de uma idéia velha, tosca, quase boba. Gente boa que ficou sabendo disso chamou a empreitada de “ambiciosa”. Ambicioso (e burro) talvez fosse querer ganhar dinheiro com isso, mas tal idiotice nunca me passou pela cabeça. Minha idéia foi, ainda é e, se tudo seguir assim (ou não!), continuará sendo fazer um site que sirva de referência a uma busca por literatura independente. Em termos de Google, já consegui: o primeiro link que aparece quando se procura por Literatura Independente (com ou sem aspas) é do Uol, e só aparece porque é do Uol; o segundo link é Os Viralata. Vale visitar o resto da lista de links que aparece, porque dá pra ter uma idéia bem precisa da situação atual: só se encontra catedrático cagando regra e blogueiro inconformado e/ou trabalhando a respeito.
A mídia, a tal mídia, aquela que forma opiniões, só entra em cena pra falar merda. Não que os grandes jornais só estejam publicando bobagens sobre o assunto. O que me fascina é a incapacidade que eles têm de lhe dar uma cor diferente, mais real. Fala-se de escritores independentes e suas ações com o mesmo espanto que se fala do nascimento de um panda albino, ignorando que o escritor independente é tão velho quanto a Literatura. Mas que caralho, será que não dá pra falar do atual despontar de alguns escritores e ações independentes como sendo uma reação à merda estabelecida que domina o mercado literário?
Paula Lee, escritora brasileira radicada em Portugal, me conta que “aqui em Portugal tem se trabalhado para reduzir os preços dos livros, o que apóio. Os livros aqui custam entre 12 a 20 euros, os que estão acima disso afastam o público”. A Sombra do Amor, editora portuguesa que publica, entre outros, o sensacional Esquizofrenias de Bolso, tem seu catálogo inteiro entre 6,50 e 8 euros. Mas enquanto isso, no Brasil, terra de gente rica e letrada, vemos no Estadão de hoje: “Chama atenção o fato de uma edição de autor conseguir tal feito [ser exposta em livrarias] – em parte pela própria natureza das livrarias atuais, que chegam a cobrar das editoras para que um livro ocupe espaço nobre em suas preciosas estantes e vitrines.” O grifo é meu: alugar prateleira é da “natureza” das livrarias? Quando falo do tom das matérias, me refiro a isto: chama a atenção do repórter o fato de uma edição independente alcançar o Olimpo das grandes livrarias, mas não chama a atenção o fato de uma prateleira ser um Olimpo. A livraria aluga a prateleira, e pronto. É assim que funciona. Vamos ao próximo assunto. E o que isto causa no mercado? Ah, deixa pra lá. Melhor não falar nada para não perder anunciante.
Eu sou baixinho. Ao contrário do Pedro, eu sou mesmo baixinho. Minha média de visitas neste blog pouco passa de cem por dia. Eu não sou ninguém, ninguém me ouve. Alex Castro é baixinho. Biajoni é baixinho. Valter Ferraz, que está lançando um livro estupendo (por outro selo) é baixinho. Nós, estes citados, outros tantos, somos todos baixinhos diante disso tudo. Renego conglomerados, uniões, sindicatos, amontoados. Vou sozinho porque sou anarquista, e a anarquia é tanta que até o rótulo de anarquista me incomoda. Mas, porra, se você acha que a Literatura (independente ou não, tanto faz) merece cuidado, fale disso no seu blog, levante discussões sobre a lei do direito autoral, pergunte — a quem puder responder — por que um livro tem que custar 20% de um salário mínimo, por que uma distribuidora ganha quatro vezes mais que um autor, por que no Brasil há mais editoras que livrarias. Esse monte de baixinhos, fazendo alguma coisa além de cuidar dos próprios umbigos, pode fazer diferença se resolver morder. O cachorro que um dia me mordeu a bunda… era baixinho. E doeu.
25 comentários
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agosto 3, 2007 às 3:08 am
Mário Marinato
Ainda vamos dominar o mundo, Branco! Mesmo que eu seja um baixinho de 1,84.
agosto 3, 2007 às 12:25 pm
Badá
Branco, comentei com o pessoal aqui certa vez sobre Os Viralata, e vi o tamanho do estrago que a mídia faz. Ouvi uma singela questão: “Mas se não comprar em livraria, se não tem propaganda em revista, como é que a gente vai saber se o livro é bom? Quem vai querer pagar por um livro sem saber se vale a pena?”
Fiquei puta da vida, porque é impossível saber que algo é bom antes de ler. Eu já quebrei a cara com livros alardeados como “ótimos”. E adorei livros praticamente anônimos.
A mídia faz as pessoas pensarem que se é independente, então é ruim, senão custaria uma fortuna e seria baladado pela Veja. É uma vergonha. As pessoas engolem qualquer porcaria se a Veja disser que é bom. E deixam passar certas pérolas porque “ninguém ouve falar”.
Precisamos de mais baixinhos barulhentos divulgando a literatura de verdade. E literatura de verdade é aquela que é boa, independentemente do que a Veja diz dela. E se não está nas prateleiras alugadas das livrarias de shopping, marcou mais um ponto.
Se alguém visitasse meu blog, veria que lá há links para blogs de bons escritores que não têm um livro sequer badalado pela mídia, e mesmo assim são bons.
Eu mesma não escrevo coisa nenhuma, mas quem escreve merece a chance de ser lido. Se é que alguém nesse país sabe ler.
Me ensine (como se eu tivese dois anos) a colocar o banner d’Os Viralata no meu blog, porque o link pro seu blog já tem.
(Quanto ao preço do livro, sempre fui muito rebelde: praticamente só compro em sebos).
agosto 3, 2007 às 1:58 pm
Charô
Com a arquitetura é a mesma coisa. Outro dia vi os irmãos CAmpana falando que o brasileiro gosta de pagar caro por design. Só para vir com uma etiqueta de Made in Italy. O problema é que brasileiro gosta de pagar caro por qualquer trabalho intelectual.
Não por acaso certos autores, cof, cof, cof, precisam materializar seus trabalhos, acho que dessa forma serão mais respeitados. Mas é mesmo, cesti la viê.
O pior é quando o povo pede dicas. Já devem ter te pedido uma dica para criar um blogue, como já me pediram dica para decorar apê. Só quem escapa é gente como o dentista, cujo trabalho tem uma materialidade mais (uai, como eu escrevo mal, dá uma dica!) palpável.
Abração.
agosto 3, 2007 às 5:43 pm
Acantha
Baixinhos. Nos menores frascos…
agosto 3, 2007 às 6:02 pm
Iagê
Que assim seja! E já tá sendo!
Em tempo: passado o sufoco, comecei a leitura dos teus cometimentos. Minha mãe, não sei se lembras, ganhou um exemplar, mas sobreviveu. Logo comentarei.
Um abraço
agosto 3, 2007 às 6:52 pm
Manda quem pode… | A Charolastra
[…] do Branco Leone e copiado do […]
agosto 3, 2007 às 7:16 pm
Fábio
Estes baixinhos são fodas!!! Admiro prá caralho.
agosto 4, 2007 às 12:07 am
Isabel
Branco, não é por nada não, mas acho você grandão (não me interpretem mal, nem o conheço pessoalmente). Você escreve porque gosta, faz sucesso e já me fez dar boas risadas. Grandão.
Bj
agosto 4, 2007 às 1:54 pm
Donizetti
Eu sou baixinho e gordinho… fudeu! hahaha
agosto 4, 2007 às 1:58 pm
Biajoni
não amplia meu complexo!
agosto 4, 2007 às 4:40 pm
Aline
O exército da Coréia é temido por todos. E formado por baixinhos…
Beijocas.
agosto 5, 2007 às 3:49 am
Edição Independente : ALUGO O MEU CORPO - O diário do livro
[…] Leia desse post do Branco Leone: «Renego conglomerados, uniões, sindicatos, amontoados. Vou sozinho porque sou […]
agosto 5, 2007 às 1:29 pm
valter ferraz
Branco,
Somos baixinhos mesmo e quer saber, não penso em fazer diferente não. Logo depois da batalha que está sendo colocar o Capão… nas ruas e nas mãos (principalmente, né?) dos leitores, vou colocar outro e mais outro. Nem me passa pela cabeça percorrer o caminho das “grandes” editoras. Por exemplo, qual o grande editor se daria ao trabalho de responder um e.mail deste baixinho que vos fala, para falar das dimensões de uma capa, qual a gramatura do papel, que o livro com as orelhas encarece cerca de oitenta por cento? Nenhum, claro. Depois, vende um livro por quarenta reais e paga quatro real à título de “direito autoral”? Tô fora, mesmo.
E, como disse o Doni (saudades de você, rapaz!): sou baixinho e gordinho, e dou trabalho prá cacete.
Obrigadão pelo link aí, cara!
agosto 5, 2007 às 2:14 pm
Sweet
“se você acha que a Literatura (independente ou não, tanto faz) merece cuidado, fale disso no seu blog, levante discussões sobre a lei do direito autoral, pergunte — a quem puder responder — por que um livro tem que custar 20% de um salário mínimo, por que uma distribuidora ganha quatro vezes mais que um autor, por que no Brasil há mais editoras que livrarias. ”
Ui.
Terei eu tal competência?
Não a tendo e estando com aquela preguiça típica de um domingo posterior a uma feijoada caseira, vamos à cópia descarada.
agosto 6, 2007 às 7:43 pm
Albarus Andreos
Bom… Também tive que recorrer a uma editora independente. Mas meu livro ficou caro pra caramba! Mas não tive que pagar por tiragem mínima, pelo menos. O problema é que além de caro, o livro só vende se você tiver cartão de crédito internacional! Mas minha parte eu já fiz. Tinha que publicar senão enlouquecia. Fiz meu trabalho que era escrever, revisar um número de vezes de dois dígitos e padecer a via sacra dos sem-editora. Um dia alguém compra um livro meu, tenho certeza!
agosto 6, 2007 às 10:37 pm
André
eu sou o nélson ned, muito prazer.
agosto 10, 2007 às 8:00 pm
Ulisses Adirt
Pronto… o primeiro link é seu.
agosto 12, 2007 às 8:41 pm
02.08.07: “Eu sou baixinho” « Os Viralata
[…] 02.08.07: “Eu sou baixinho” Publicado Agosto 12th, 2007 Uncategorized Branco Leone […]
agosto 12, 2007 às 8:58 pm
10.08.07: Ó, o blogar! Ó,o editar! « Os Viralata
[…] maneira independente”, Valter Ferraz (que lança “Capão, outras histórias”) e Branco Leone fizeram posts, ampliando o debate… E também teve a entrevista da Olivia Maia no Digestivo […]
agosto 12, 2007 às 9:06 pm
11.08.07: Divagações sobre o mercado editorial « Os Viralata
[…] que muito me interessa, sobre literatura independente que passeia pelos blogues do Bia, do Branco Leone, do Valter Ferraz, e por aí afora. Com o meu ponto de vista de quem trabalhou vários anos numa […]
agosto 15, 2007 às 11:19 pm
13.08.07: Literatura (inter)dependente « Os Viralata
[…] também deu seus pitacos a respeito. O Branco Leone, que é editor d’Os Viralata, também. Assim como o Valter Ferraz. Enfim, a discussão está […]
fevereiro 13, 2008 às 9:02 pm
literatura na internet e a falha de sp...: Diário da Lulu
[…] “Eu sou baixinho!” – de Branco Leone […]
março 1, 2009 às 3:27 pm
Hugo
Lol… mto daora, parabens…
E msm sendo baixinho, eu (e mtos outros) nos damos bem!!
XD
novembro 22, 2011 às 12:36 pm
william
tbm so baixinho mas sou magro hahahaha
maio 14, 2024 às 12:26 am
Wildlife of India
Thanks for postiing this